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Você não teve medo?
Essa foi uma das perguntas mais
frequentes que me fizeram, quando voltei de minha viagem de volta ao mundo,
passando por cinquenta países em oito meses. Depois, repetiram a mesma
pergunta, quando voltei de outra viagem, desta vez, apenas pela América do Sul,
só que realizada no estilo carona, dormir na praça e passar fome.
Medo?
Quase fui roubado e detido na Rússia,
fui abandonado na fronteira tcheca, enganado no Peru, quase atropelado em uma
ilha da Indonésia, quase despenquei de uma montanha na Venezuela, enfrentei uma
enchente em Honduras, escalei um vulcão ativo na Guatemala, andei mil
quilômetros na Espanha, fui ameaçado em Rondônia, dormi em caverna na Capadócia
e em albergues de mendigos no Brasil, passei fome no Caminho da Fé, passei frio
no Círculo Polar Ártico e calor na linha do Equador...
Se eu tive medo?
Sim. Eu tive medo. Tive medo de uma
vida sem sentido, em trabalhar em um emprego em que acordasse com um suspiro de
desânimo e retornasse para casa com outro de tédio. Tive medo de enfrentar o
trânsito caótico de uma cidade para chegar a lugares em que eu não queria
chegar. Tive medo de me enforcar com uma gravata todos os dias. Tive medo de
abandonar o meu sonho de conhecer o mundo e de escrever sobre ele. Tive medo de
viver cotidianos, de ver o mesmo dia se repetindo todas as semanas e todas as
semanas se repetindo em todos os meses e todos os meses finalmente se
convertendo em anos e os anos se convertendo em fim. Tive medo de adiar a minha
vida.
Por isso, eu parti. E em cada curva da
estrada, em cada momento em que eu não sabia o que ia acontecer lá na frente,
eu sorria. E nunca suspirei de tédio ou desânimo, mesmo diante de uma longa e escaldante
estrada. Senti o frio ártico em minha pele e me senti mais aquecido do que
nunca, pois é melhor sentir o frio na pele do que frio no coração. Senti o
calor equatorial e suei todos as minhas frustrações, que se escondiam debaixo
dos meus poros. Fui enganado, sim. Mas não perdi a confiança em mim. Fui
abandonado, sim. Mas não abandonei a minha fé. Fui ameaçado, sim. Mas não
ameacei desistir do meu sonho. Senti fome, sim. Mas nunca deixei de sentir a
minha alma alimentada.
Se eu não tenho medo agora?
Tenho medo e sempre quero ter medo.
Agradeço ao medo. Foi ele que me fez
ter a coragem de enfrentar outros medos. A verdade é que não há medo maior do
que não ter medo de nada. Pois o medo nos desafia a enfrentá-lo. Quem não sente
medo, contenta-se com a segurança do cotidiano, dos pratos de mesmos sabores,
dos bom-dias sem calor.
Sinto medo de não ter medo. Medo de ter
coragem de viver uma vida sem sobressaltos, sem riscos, sem desafios...
Quero ter medo!
Quero, sobretudo, ter medo da morte,
para ter coragem de enfrentar... todos os medos da vida.
Obrigado aos organizadores deste belo prêmio, a todos da FACCAT e do Jornal Panorama. Vocês garantiram o pagamento da minha conta de luz para este ano e para o ano que vem inteiro! Se bem que medo de escuro eu não tenho... Mesmo assim, muito obrigado!!!
5 comentários:
André, que incrível esse texto, como todos os outros seus. A gente tem é que ter medo de não ser feliz e de não realizar nossos sonhos. O resto não tem importância.
Obrigado, Karen! Um abraço!
Genial essa visão, meu caro, genial mesmo!
Abraços renovados!
Excepcional texto !
E com muito conteúdo!
Obrigado, JOEL, por o ter postado.
Um abraço com muita amizade.
Texto denso e instigante. Gostaria de ter medos iguais ao do Kondo.
Grato por partilhar.
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