sábado, 8 de junho de 2013

Fome de Suassuna

Sem tomar café, com fome, dois ônibus, quatro trens e quatro horas depois, consigo, finalmente, um convite para a palestra de Ariano Suassuna em Santo André. A moça avisa: “É melhor chegar cedo amanhã para trocar o convite por um ingresso... Se chegar tarde, alguém certamente tomará o seu lugar”. Quer dizer que eu tinha um convite, mas não tinha? Quatro trens, dois ônibus e quatro horas depois, chego em casa. Acordo no dia seguinte às 4 da manhã. Mais uma vez, saio  com fome e pego dois ônibus, quatro trens e chego às 8:30 em Santo André. Doze horas em condução lotada. Vale a pena esse sacrifício para ouvir Ariano Suassuna?

O auditório, mais lotado que trem na hora do rush, dizia em coro que sim.

Ariano Suassuna não falou sobre literatura, simplesmente declamou... a vida.

Ninguém se deu conta de que três horas haviam se passado! Desculpando-se por ter se estendido pela hora do almoço, despediu-se e foi embora. Só então o tempo voltou a correr. Só que a palestra havia sido tão deliciosa que ainda ficou um gostinho de “quero mais”.

Eu estava com um livro de Suassuna na mão. Queria mais. Queria um autógrafo. Eu não era o único. Érica e Lia queriam o mesmo, uma abraçando o “Auto da Compadecida” e a outra o roteiro da “Farsa da Boa Preguiça e o Rico Avarento”, em que atuou no papel de Clarabella. Poderíamos ter ido embora, satisfeitos com as palavras proferidas pelo imortal Suassuna, que já havia autografado cada coração da plateia. Porém, Ariano havia nos instigado a ousar mais, a sempre buscar saciar a fome de vida!

Queríamos o autógrafo, não queríamos? Então, o simples fato de ele ter ido embora do auditório não deveria nos impedir de satisfazer o nosso desejo. Descobrimos o hotel em que ele estava hospedado. Érica, que tinha acabado de nos conhecer, nos convidou para uma busca por Suassuna em seu carro. Ela disse que a porta amassada do lado do passageiro abria normalmente. Saiu na contramão, sem delongas, e toca pro hotel. Supomos que ele estaria almoçando... Claro, era a hora do almoço!

Na recepção: “Minha amiga está neste hotel e marcou de se encontrar com a gente no restaurante. Só tem esse restaurante aqui?”...

Que mentira! Não vou revelar quem foi quem mentiu, mas acho que Suassuna aprovaria. Durante a palestra, ele havia nos dito que há dois tipos de mentira: a mentira com asas e a mentira com chifre e cauda. A mentira com asas é aquela do tipo de João Grilo e Chicó... Mentira que só faz o mundo mais alegre. Bem, se conseguíssemos os autógrafos, com certeza ficaríamos mais alegres.

Espera, espera, espera... Nada de Suassuna. Lia ligou para seus contatos, para descobrir se ele havia ido almoçar em outro lugar. Liga pra um, pra outro, a ligação está ruim, sai para a rua. Pouco tempo depois, a moça adentra o hotel saltitando de alegria. Será que ela descobriu o restaurante em que Suassuna estava almoçando?

“Ele está no restaurante aqui ao lado!”

Saímos que nem loucos do hotel. Entramos no restaurante, sentamos e ficamos observando, à distância. 

O garçom chega para nos atender. Olho para os preços no menu... Números de fazer perder a fome.

“Estamos decidindo ainda”.

Outra mentira. Nós já tínhamos decidido o que queríamos: Autógrafo de Suassuna ao molho de esferográfica.

Esperamos até o fim da refeição (dele). Quando Ariano saiu, famintos, saímos atrás.

Com imensa gentileza, Suassuna nos serviu os autógrafos quentes. Conversou, fez piada, distribuiu uma generosa porção de carinho... Assim saciou, definitivamente, a nossa fome. Ah! E como a vida de Suassuna é saborosa!




Muito obrigado, Ariano Suassuna! 
Parabéns à Secretaria de Cultura de Santo André, por trazer o imortal para a minha terra natal!