Sem tomar café, com fome, dois ônibus,
quatro trens e quatro horas depois, consigo, finalmente, um convite para a
palestra de Ariano Suassuna em Santo André. A moça avisa: “É melhor chegar cedo
amanhã para trocar o convite por um ingresso... Se chegar tarde, alguém
certamente tomará o seu lugar”. Quer dizer que eu tinha um convite, mas não tinha?
Quatro trens, dois ônibus e quatro horas depois, chego em casa. Acordo no dia
seguinte às 4 da manhã. Mais uma vez, saio com fome e pego dois ônibus, quatro trens e chego às 8:30
em Santo André. Doze horas em condução lotada. Vale a pena esse sacrifício para
ouvir Ariano Suassuna?
O auditório,
mais lotado que trem na hora do rush, dizia em coro que sim.
Ariano Suassuna
não falou sobre literatura, simplesmente declamou... a vida.
Ninguém se
deu conta de que três horas haviam se passado! Desculpando-se por ter se estendido pela hora do almoço, despediu-se e foi
embora. Só então o tempo voltou a correr. Só que a palestra havia sido tão deliciosa que
ainda ficou um gostinho de “quero mais”.
Eu estava
com um livro de Suassuna na mão. Queria mais. Queria um autógrafo. Eu não era o
único. Érica e Lia queriam o mesmo, uma abraçando o “Auto da Compadecida” e a
outra o roteiro da “Farsa da Boa Preguiça e o Rico Avarento”, em que atuou no
papel de Clarabella. Poderíamos ter ido embora, satisfeitos com as palavras
proferidas pelo imortal Suassuna, que já havia autografado cada coração da plateia.
Porém, Ariano havia nos instigado a ousar mais, a sempre buscar saciar a fome de vida!
Queríamos o
autógrafo, não queríamos? Então, o simples fato de ele ter ido embora do
auditório não deveria nos impedir de satisfazer o nosso desejo. Descobrimos o
hotel em que ele estava hospedado. Érica, que tinha acabado de nos conhecer, nos convidou para uma busca por Suassuna em seu carro. Ela disse que a porta
amassada do lado do passageiro abria normalmente. Saiu na contramão, sem
delongas, e toca pro hotel. Supomos que ele estaria almoçando... Claro, era a hora do almoço!
Na recepção:
“Minha amiga está neste hotel e marcou de se encontrar com a gente no restaurante.
Só tem esse restaurante aqui?”...
Que mentira!
Não vou revelar quem foi quem mentiu, mas acho que Suassuna aprovaria.
Durante a palestra, ele havia nos dito que há dois tipos de mentira: a mentira
com asas e a mentira com chifre e cauda. A mentira com asas é aquela do tipo de
João Grilo e Chicó... Mentira que só faz o mundo mais alegre. Bem, se conseguíssemos
os autógrafos, com certeza ficaríamos mais alegres.
Espera,
espera, espera... Nada de Suassuna. Lia ligou para seus contatos, para
descobrir se ele havia ido almoçar em outro lugar. Liga pra um, pra outro, a ligação
está ruim, sai para a rua. Pouco tempo depois, a moça adentra o hotel
saltitando de alegria. Será que ela descobriu o restaurante em que Suassuna
estava almoçando?
“Ele está no
restaurante aqui ao lado!”
Saímos que
nem loucos do hotel. Entramos no restaurante, sentamos e ficamos observando, à
distância.
O garçom chega para nos atender. Olho para os preços no menu... Números
de fazer perder a fome.
“Estamos
decidindo ainda”.
Outra
mentira. Nós já tínhamos decidido o que queríamos: Autógrafo de Suassuna ao
molho de esferográfica.
Esperamos
até o fim da refeição (dele). Quando Ariano saiu, famintos, saímos atrás.
Com imensa gentileza, Suassuna
nos serviu os autógrafos quentes. Conversou, fez piada, distribuiu uma generosa porção de carinho... Assim saciou, definitivamente, a nossa fome. Ah! E como a vida
de Suassuna é saborosa!
Muito obrigado,
Ariano Suassuna!
Parabéns à Secretaria de Cultura de Santo André, por trazer o imortal para a minha terra natal!
Parabéns à Secretaria de Cultura de Santo André, por trazer o imortal para a minha terra natal!
3 comentários:
kkkkkkk Adorei seu post!! E como você escreve bem! Com certeza foi uma aventura maravilhosa que contarei por alguns anos! rs Foi ótimo conhecer vocês. E vamos mantendo contato :) Abs
Eu acho que vi um dos homens retratados em um dos restaurantes em sp mais populares. Pode ser?
Obrigado, Lia! Só hoje li o seu comentário, procurando este post neste dia triste. Ariano está em coma. Tivemos o privilégio de conhecê-lo, de sentir o carinho e a sabedoria desse homem, de fato, imortal. Almas iluminadas não morrem. Jorge, tudo é possível. Abraços. Orações para Ariano...
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