quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Causos e lendas do Porto Novo

Tive o prazer de escrever um dos textos de apresentação do livro "Causos e Lendas do Porto Novo", uma iniciativa da Fundacc por meio da APMC, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Caraguatatuba. O lançamento será amanhã (22/08/2014), a partir das 10:30, na Praça Dr. Cândido Motta. Será uma grande festa aberta ao público!

Eis o livro:


Prazer, sou “Causos e Lendas do Porto Novo”.


            Apresentar um livro como este não se faz apenas com palavras, mas vou tentar. Queria mesmo é oferecer uma caneca de bom café e um dedo de prosa na beira do rio, que assim é que se apresenta um bom livro de causos e lendas. E teria que ser no Porto Novo!
            Eu mesmo já morei por essas bandas, e comecei a escrever meus próprios causos por aí. Tive o prazer de declamar poesia com o Maurício Poeta na praça Cândido Mota e de me emocionar com a performance do Caddu no Teatro Mário Covas. Acho que eles não se lembram, talvez até pensem que isso é lenda, mas é verdade. Agora, nos reencontramos nestas páginas: eles contando bons causos do nosso povo e eu só abrindo os olhos com mais curiosidade, como deve ser um bom encontro caiçara.
            Também já tive a felicidade de contar meus causos para as crianças e jovens de Caraguá, nas escolas e durante a grande festa da 2ª Feira Literária de Caraguatatuba (FLIC). Não há momento mais mágico do que este, em que as palavras se libertam e viram histórias. Nunca me esquecerei desta emoção! Aproveitando, vou até contar um causo de assombração.
            Certa vez, quando viajava a pé por Minas, acabei dormindo em uma capelinha na beira da estrada de terra. Já era madrugada quando ouvi passos. Seria assombração? Acordei, ainda meio enrolado no saco de dormir, e fui dar uma espiada. A porta da capelinha rangeu e eu vi, lá fora, um bêbado. Cadê a assombração? A assombração era eu, porque o bêbado pensou que eu fosse alma penada, fez o sinal da cruz e jurou por Nossa Senhora que nunca mais ia beber. Saiu correndo estrada afora, parecia até sóbrio! Com certeza, no dia seguinte, deve ter contado pra todo mundo sobre a “assombração da capelinha”.    
            Contei este causo pra mostrar que, quem sabe, nossa vida real não vira uma boa lenda? Afinal, toda lenda tem um fundo de verdade e toda realidade, um pouco de mentira, só pra vida continuar essa beleza que é... E vamos aos causos e lendas do Porto Novo, que é por isso que estamos aqui!



Mais informações sobre o livro, AQUI ou no site da FUNDACC.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Minicontos

Estou muito feliz com o resultado do I Concurso de Minicontos promovido pela Secretaria de Cultura de Jundiaí, divulgado na Imprensa Oficial do dia 13 de Agosto de 2014. Mais legal do que ser classificado é ver o nome do pessoal da minha 1ª Oficina de Criação Literária entre os premiados, cujos trabalhos serão publicados em livro! Parabéns! Estou muito orgulhoso de todos vocês!

Autor

Título do Miniconto
André Telucazu Kondo
Flores

Bárbara Nóbrega Mangieri
Sinal Vermelho

Carla Mirela Cavallini
Fósseis de Dragão

Mayara Amaral Pazeto
Parque de Dinossauros

Nitiayne Mille Takemoto
Só no Chat

Rogério Heitor Carraro

Recreio
Sabrina Fagundes

O Destino da Rosa
Silvana Helena da Silva Felipe
Eu vi...







PS: Nem todos os alunos participaram do concurso, mas todos, classificados para o livro ou não, sem exceção, publicaram suas letras no meu coração! Obrigado por essa alegria!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Olhar

            

                   Fui ministrar um workshop de Criação Literária, na Biblioteca de Bragança Paulista, durante o 13º Festival de Inverno. Pedi ao motorista do ônibus para que ele me avisasse quando eu deveria descer. Sentei-me logo atrás dele. Depois de um bom tempo, perguntei:
           — Já estamos chegando?
            O motorista calmamente respondeu:
           — O seu ponto já passou. Tá lá atrás agora. Já estamos quase no ponto final.
            — Puxa, por que o senhor não me avisou?
            O motorista, sem sequer olhar pra trás:
            — Ué? Você não me avisou que estávamos próximos. Agora já era.
            Avisá-lo? Não seria o contrário? Agradeci, dei o sinal e desci, longe da biblioteca. Estava chateado, não por ter que andar várias quadras, pois eu gosto de caminhar. Fiquei chateado com o descaso do motorista. Ele não estava nem aí para mim. Mas também não foi só por isso. Antes, uma pessoa visivelmente portadora de deficiência pediu para embarcar, dizendo que havia esquecido a carteirinha. O motorista disse que ela podia embarcar, sim. Era só pagar.
            — Mas...
            Ele a ignorou até que ela pagasse. Regras são regras, mas não custa mostrar alguma empatia.
            Outra pessoa pediu ao motorista que abrisse a porta dos fundos, para acomodar uma grande caixa antes de embarcar. O motorista a ignorou, solenemente, enquanto cobrava de outros passageiros. Alguém, incomodado com o descaso, pediu:
            — Seu motorista, abre lá a porta pro moço colocar o pacote dele. Tá frio lá fora.
            O motorista não esboçou reação. Não abriu a porta e não estava mesmo nem aí pra ninguém. Era como se ele não nos visse.
            Estava ainda chateado com isso, quando pedi informação para chegar à biblioteca, a uma mulher parada no ponto:
            — Você é o André Kondo?
            “Puxa, será que eu já sou um escritor famoso?” – pensei. Que nada, a mulher, que se chamava Ana, coincidentemente estava indo para o meu workshop.
            Na biblioteca fui muito bem recebido. Falei sobre como eu havia viajado o mundo para buscar inspiração para me tornar escritor, e de como havia falhado. Somente em outra viagem, quando estava desiludido com o meu sonho de me tornar escritor, é que encontrei a inspiração necessária. E foi exatamente com as pessoas invisíveis que eu aprendi a ver. Quando convivi com mendigos, catadores de latinhas, pessoas que vivem à margem da sociedade, é que percebi que eu também não enxergava as pessoas, antes de me tornar uma pessoa invisível também. Não consegui escrever antes, porque eu estava escrevendo sobre os lugares que eu havia visto e não sobre o mais importante: as pessoas que estavam nesses lugares. Afinal, escrever, acima de tudo, é enxergar as pessoas... 
            Após falar sobre isso, uma garota que estava na biblioteca me entregou um presente. Ela havia me desenhado. E se ela me desenhou, é porque ela me enxergou! Quer presente melhor do que esse?


            O workshop continuou e os textos que foram sendo criados me deram esperança e alegria. A visão de mundo de cada um dos participantes me encheu os olhos. Ali estavam pessoas de vistas bem abertas! Que viam! Enxergavam a beleza da alma das pessoas. 
           Ao final do workshop, minha amiga Henriette e várias pessoas me ofereceram carona. Gentilmente, a Lyrss me levou, perguntando o horário do meu ônibus. Respondi que não tinha pressa, pois ele sairia dali a duas horas. Ana, a mesma mulher que encontrei no início desta história, nos convidou:
            — Eu moro perto da rodoviária. Que tal tomamos um café juntos. O que acham?
            Lógico que aceitei. Conversamos sobre várias coisas e eu fiquei impressionado com a visão da Ana. Visão, de fato. Ela trabalhou em uma ONG, desenvolvendo um trabalho com detentos. Cuidou de uma biblioteca penitenciária, desenvolveu um curso de costura para eles trabalharem. Mas, acima de tudo, Ana via os detentos. Falava com eles, aconselhava. Muitos mudaram de vida após saírem da cadeia. Ana ensinou-lhes um ofício, apresentou-lhes obras literárias, abriu-lhes os olhos para um novo mundo...
              Após o delicioso café, fui à rodoviária. Um mendigo, com a voz massacrada, um fio de lamento, me pediu dinheiro enquanto eu estava no guichê de passagens. Eu só o percebi quando ele se afastou de mim. Terminei minha transação no guichê, quando olhei para trás, ele não estava mais lá. Procurei-o com olhos ávidos, mas nada.
            Quando meu ônibus chegou, a voz bem baixa:
            — O senhor me ajuda?
            Peguei o trocado que tinha no bolso e o entreguei. O mendigo me disse:
            — Meu filho, onde quer que você esteja, eu vou estar sempre te desejando o melhor nessa vida. 
            Ao invés de dizer que Deus olharia por mim, ele me ofereceu o próprio olhar. Olhei pra ele se afastando, passos lentos. Embarquei no ônibus, desejando o mesmo a ele. Que as pessoas o enxergassem. E que todas as pessoas se enxerguem. E que sorriam com um olhar de cumplicidade.





Muito obrigado a todos da ASES, da Secretaria de Cultura e da Biblioteca Municipal de Bragança Paulista, pelo convite e pela belíssima tarde! Obrigado a todos os escritores participantes. Obrigado, querida Henriette, Regina, Bruno, André, Jade, Maria Cecília, Ana Carolina, Daniel, Fábio, Myrthes, Maria Ignez, Lyrss, Marcela, Ana Maria, Bruna, Apparecida, Cainã, Camila Porfírio e Camila Scopeta... E também, Maria Cristina, que passou por lá, a bibliotecária Ligia, Daniela Verde, Giliane, Paulinha. Obrigado, Rafaela, pelo belo desenho (você conseguiu me deixar bonito!). Que delícia de café, Ana. Obrigado! Esqueci de pedir a receita de como você prepara esse café cremoso. Obrigado ao motorista do ônibus, que não me viu, mas me levou a um lugar em que todos os olhares inspiram carinho. Obrigado, Bragança Paulista!